A preocupação com relação a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) remonta a tempos muito antigos, vários anos antes de Cristo, a exemplo do desenvolvimento da Lei das Alavancas (287 a.C), de Arquimedes, que promoveu a diminuição do esforço físico de muitos trabalhadores através de um mecanismo físico. Esses estudos tiveram uma intensificação no século XX, pois entende-se que há uma influência direta no desempenho da empresa. Um dos primeiros autores a se engajar no tema no século XX foi Helton Mayo, suas pesquisas deram origem a escola de Relações Humanas na década de 20. Ao longo dos anos foram desenvolvidas diversas teorias, como a hierarquia das necessidades, desenvolvida por Abraham H. Maslow, que consiste em 5 necessidades fundamentais (fisiológica, segurança, amor, estima e autorrealização). Além disso, pesquisas realizadas por Friedrick Herzberg mostraram que os entrevistados associavam a insatisfação com o trabalho ao ambiente de trabalho e seu conteúdo. Dessa forma surgem dois tipos de fatores, um deles são os fatores higiênicos (capazes de produzir insatisfação), que incluem política e administração das empresas, as relações interpessoais com supervisores, salários status e segurança no trabalho. No caso dos fatores motivadores (geradores de satisfação), pode se citar realização, reconhecimento, o próprio trabalho, responsabilidade, além do progresso/desenvolvimento.
Um fato curioso, é que mesmo com tecnologias que em tese facilitariam a vida de muitos trabalhadores, os trabalhadores parecem estar mais estafados com o trabalho. O avanço do downsizing na década de 90 pode ter contribuído para essa situação paradoxal, além da comercialização do tempo, quando as pessoas passaram a “vender” seu tempo. França (1997) conceitua QVT como o conjunto de ações com objetivo de melhorar o ambiente da empresa por meio de inovações tecnológicas e gerenciais, com enfoque biopsicossocial, ou seja, olhando a empresa e as pessoas que a compõem como sendo uma coisa só. Essa visão da medicina psicossomática faz oposição à abordagem cartesiana, sendo essa uma visão integrada e esta uma divisão do ser humano em partes. Outros autores, devido ao novo modo de vida da sociedade, descrevem novos valores e necessidades do trabalhador: saúde (integridade física e mental), ecologia (preservação do meio ambiente), ergonomia (conforto na operação), psicologia (perspectivas de vida), sociologia (compartilhamento e construção social), economia (responsabilidade sobre os bens finitos), administração (mobilizar recursos para alcançar objetivos) e engenharia (formas de produção). Além desses valores citados, há ainda 8 categorias conceituais: compensação justa e adequada (remuneração adequada e equidade interna e externa); condições de trabalho (ambiente de trabalho); uso e desenvolvimento de capacidades (talento e autonomia); oportunidade de crescimento e segurança (carreira); integração social na organização (igualdade); constitucionalismo (direitos); trabalho e o espaço total da vida (equilíbrio entre trabalho e vida pessoal); e a relevância do trabalho na vida (percepção do empregado sobre a empresa).
Sendo assim, a QVT enquadra diversos aspectos como saúde mental, autoestima e orgulho do próprio trabalho (sentindo-se parte do todo), a forma como a empresa é vista pela sociedade, construção de carreira, renda condizente com suas expectativas, carga horária justa e equilíbrio trabalho/lazer, recompensas justas e direitos respeitados. Ao adotar estratégias voltadas para a qualidade de vida, os funcionários ganham equilíbrio emocional e tornam-se mais eficientes em suas funções. Consequentemente, os custos da empresa reduzem no que se trata de gastos com saúde e rotatividade, com um bônus de possuir um ambiente melhor e ser bem vista na sociedade. O grande ponto a se discutir sobre isso não é seu conceito, mas a sua aplicação (discurso x prática), já que as empresas, mesmo sabendo dos benefícios acima citados, optam pelo imediatismo e pelos investimentos de curto prazo. Para a consolidação da QVT existem perspectivas e desafios que devem ser analisados e resolvidos. Um aspecto que pode ser observado e que as ferramentas mais utilizadas por executivos voltadas para o bem-estar do trabalhador têm um foco monetário, entretanto para a implementação correta de políticas de QVT devem ser consideradas outros aspectos além de um salário grande. Sabendo das consequências de cada vez mais trabalhadores se queixam da sua rotina e de condições inadequadas do trabalho e de uma subutilização de suas potencialidades, algumas empresas tem se esforçado para proporcionar o melhor bem-estar para seus funcionários, mas os benefícios que são oferecidos não suficientes pois fica claro a falta de outras dimensões da perspectiva do QVT.
Dois desafios são essenciais para o mundo empresarial da atualidade são eles a necessidade de uma força de trabalho motivada, saudável e preparada para a alta competição atual e a capacidade das empresas de responderem a demanda dos trabalhadores por uma melhor qualidade de vida. Isso não está acontecendo de forma adequada. Existe um reconhecimento da importância dos programas de QVT, porém a sua aplicação para sustentação não é convincente e coesa o suficiente. A pequena importância estratégica e a baixa relevância financeira desses programas são grandes empecilhos para sua implementação, são enxergadas como gastos não como investimentos. As organizações exigem que seus trabalhadores confiem todo seu capital intelectual e se comprometam com seu trabalho, mas as empresas não se comprometem com seus empregados em contra partida. Consequentemente é exigido um conjunto de habilidades e capacidades cada vez maior, são os requisitos explícitos, além desses são exigidos também requisitos implícitos que são caracterizados como horas extras dedicadas ao empregador e ao trabalho que distanciam o empregado do lar.
Um desdobramento desse contexto é a ética workaholic de viver para trabalhar não trabalhar para viver, sua carreira é sua vida guiada pela obsessão pelo sucesso. Os aspectos patológicos dessa conduta não são observados pela maior parte dos workaholics, como o momento favorece as empresas elas incentivam esse tipo de comportamento e empregados em posições mais modestas são obrigados a se curvar a esse comportamento autodestrutivo. Aqueles que pelo cargo teriam condições de mudar ou aceitar novos modelos de comportamento não fazem. Esses dirigentes são movidos por uma obsessão, o convívio com a família tempo para relaxamento físico, mental e para reflexão e o bem-estar no sentido amplo não fazem parte das suas preocupações, são causadores de estresse no trabalho por consequência da sua conduta doentia. Dirigentes que não cumprem sua responsabilidade social são uma causa dos programas de QVT não decolarem como deveriam. O novo desafio do século XXI é como criar e difundir uma nova organização capaz de elevar a qualidade de vida e do trabalho. Se passamos grande parte das nossas vidas nas organizações é natural a busca por um ambiente agradável e saudável onde possamos desenvolver nossas atividades com qualidade de vida e satisfação.
Fontes: Artigo “Qualidade de Vida no Trabalho: Origem, Evolução e Perspectivas” de Anselmo Vasconcelos
FRANÇA, A C. Limongi. Qualidade de vida no trabalho: conceitos, abordagens, inovações e desafios nas empresas brasileiras, Revista Brasileira de Medicina psicossomática. Rio de Janeiro, vol. 1, número 2, p. 79-83, abr./mai./jun.1997