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  • Daniel S Balaban

Está na Hora de Reagirmos aos Discursos de Ódio e Intolerância


A cena surreal ocorrida recentemente em Charlottesville, no Estado americano de Virgínia, que fica a apenas duas horas de Washington, na qual centenas de homens e mulheres carregando tochas, fazendo saudações nazistas e gritando palavras de ordem contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus, demonstra definitivamente que tais pessoas que nutrem ódio, rancor, desprezo pelo próximo, perderam a timidez e resolveram “sair do esgoto” e defender suas causas, por mais indefensáveis que pareçam.

O protesto foi descrito pelos participantes como um aquecimento para um evento maior. Os participantes do protesto carregavam bandeiras dos Confederados e gritavam palavras de ordem como: "Vocês não vão nos substituir", em referência a imigrantes; "Vidas Brancas Importam", em contraposição ao movimento negro Black Lives Matter; e "Morte aos Antifas", abreviação de "antifascistas", como são conhecidos grupos que se opõem a protestos neonazistas. "Sim, eu sou nazista, eu sou nazista, sim", dizeres de uma das faixas carregadas.

As tochas são uma marca da Ku Klux Klan, grupo fundado pouco depois da guerra da secessão norte-americana por ex-soldados confederados, que foram derrotados no conflito. Originalmente concebida como um clube recreativo, a KKK rapidamente começou a promover a violência contra populações negras do sul dos EUA. Por muitas décadas, grupos supremacistas brancos promoveram linchamentos, enforcamentos e assassinatos de negros. Esse é um claro sinal de alerta para a volta de grupos de intolerância considerados até há pouco tempo extintos, como KKK e neo-nazistas, conseguindo reunir milhares de pessoas.

A questão a ser debatida é: o que está acontecendo nos dias atuais? Uma interessante explicação vem de Ian Haney López, Professor de Direito da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que escreveu o livro “Dog Whistle Politics: How Coded Racial Appeals Have Reinvented Racism and Wrecked the Middle Class”. Algo como “Política do “Apito para cães”: Como os Apelos Raciais Codificados Reinventaram o Racismo e Destruiram a Classe Média”. A expressão inglesa “dog-whistle politics” (traduzida literalmente para “política do apito para cães”), é uma alusão ao som alto emitido por um apito, o qual só um cão consegue ouvir. Esse termo é sobretudo usado nos Estados Unidos quando na mensagem política são empregados termos e conceitos aparentemente inofensivos, mas potencialmente controversos, e que apenas uma fração do eleitorado compreende e identifica, deixando a maioria na ignorância ou com uma ideia muito diferente.

A retórica "Dog-whistle" é uma espécie de discurso político codificado, onde alguns políticos usam termos que mais parecem vagos, simplistas, inócuos ou mesmo sem sentido. A política do apito para cães é uma mensagem política empregando linguagem codificada que parece significar uma coisa para a população em geral, mas tem uma ressonância adicional, diferente ou mais específica para um subgrupo específico. Portanto, para o público que conhece a terminologia, esses termos são carregados de significado. Então, como um apito de cachorro é audível apenas por cães, mas não é sentido pelos ouvidos humanos, essas mensagens codificadas são ouvidas pelo público pretendido, mas perdidas pelo resto de nós. Quase por definição, essas mensagens codificadas representam posições impopulares ou extremistas, recheadas de preconceitos e ódio às diferenças. E isso acontece em nosso debate político contemporâneo todos os dias. Esse é o principal alerta do livro.

O livro tenta explicar de forma sistemática como o racismo evoluiu desde a era dos direitos civis americanos. O autor utiliza-se de estudos de ponta embasados na história, sociologia e psicologia, mas os traduz em termos acessíveis, ilustrados por exemplos contemporâneos. Um relato claro de como os apelos raciais geram grande entusiasmo pelas políticas que acabam por prejudicar a classe média.

O autor foca seu livro basicamente no racismo de cor nos estados unidos. Mas, devemos ampliá-lo para a intolerância religiosa, a misoginia, a homofobia, enfim, a todo e qualquer tipo de intolerância ao diferente, ao não usual, ou a qualquer pessoa que não se encaixe no nosso protótipo de padrão aceito. Fundamentalmente, esse livro é um ótimo lugar para começar a explorar as mensagens ocultas e direcionadas que não são conhecidas no nosso dia-a-dia.

No Brasil não é diferente, com o expressivo crescimento de “mitos” apoiados por discursos fascistas e de ódio às diferenças, seus seguidores vêm continuamente aparecendo e mostrando suas faces sem qualquer escrúpulo ou vergonha. Crescem como seitas fanáticas que agem e reagem em acordo com os apitos de seus líderes.

Está na hora de começarmos a aguçar nossos ouvidos e interpretarmos melhor as mensagens que só aqueles que agem como animais irracionais conseguem escutar, para que possamos impedir de uma vez por todas a volta de discursos intolerantes e que apenas incitam as pessoas a pensamentos beligerantes e de ódio.

Somente ouvindo e compreendendo os “Dog-whistles”, teremos condições de conscientizarmos aqueles tocados por esse discurso que tal atitude não auxiliará, de forma alguma, a alcançar uma solução que venha a preencher suas vidas vazias e sem sentido.

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