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  • Siegrid Guillaumon

Me Explique Aí!


‘Me explique aí’ é esta expressão nordestina e baiana tão sonora e utilizada quase como uma onomatopeia de indignação diante dos fatos surpreendentes, um tanto intrigantes e até mesmo inquietantes. Com esta expressão que me é muito cara, visto que a Bahia me deu régua e compasso, inauguro e assino minha coluna nos Argonautas.

Cerâmica Indígena Tapajoara – R$ 100

Cerâmica Indígena Novomexicana - U$$ 1.400

Me explique aí por que a cerâmica indígena norte-americana é vendida por U$$ 1400 dólares e a cerâmica brasileira por R$ 100 reais!!!

Tive a oportunidade de morar no Novo México, que, ao contrário do que a maioria pensa, é parte dos Estados Unidos e não do México. Sob o discurso de se criar uma ferrovia que ligasse de leste a oeste os Estados Federados Norte-americanos, este território foi sequestrado do México em 1848 por configurar aquela porção territorial entre o Arizona e o Texas, atrapalhando o projeto nacional de ligação leste-oeste através de uma ferrovia. Alguns minérios valiosos também são encontrados ali, o que deve ter sido de algum interesse nesta trajetória histórica.

Cerâmica Indígena Novomexicana - U$$ 1.400

No Novo México encontram-se 22 tribos indígenas, sendo 19 delas sedentárias desde sempre, detentoras de soberania sobre seus territórios indígenas, excelentes artistas plásticos, tecelões, artistas da cestaria, das joias de prata e turquesa, ceramistas do mais alto refinamento artístico. Utilizam técnicas ancestrais mantidas através da cultura oral. Artistas nativos que reinventam sua arte a todo momento, estudam nas escolas de finas artes e nos principais centros culturais do país. Santa Fé, capital do Novo México é o terceiro maior mercado de arte dos Estados Unidos, fato para o qual a venda de arte indígena contribui imensamente.

Me explique aí por que estamos falando de arte indígena e não de artesanato?

A possibilidade de reconhecimento foi efetivamente construída ao longo do tempo através de movimentos subterrâneos culturais e simbólicos de resistência e perspicácia dos índios nativos. Criaram e fortaleceram suas próprias instituições culturais, aprenderam as ‘regras do jogo’ das sociedades anglo e hispânicas, retendo o que reconheceram de melhor, adaptando e descartando valores que não lhe convinham e convém. Estudam, tornam-se médicos, administradores, engenheiros, arquitetos, e artistas (e todas as demais profissões). Candidatam-se nas instâncias municipais e estaduais, e participam e deliberam na formulação de políticas públicas. Criam seus próprios museus e repatriam a arte ancestral roubada pelos colonizadores. Mantém um sentido de pertencimento às suas comunidades muito forte, e agem de forma respeitosa e sustentável com a terra e todos os recursos naturais, com as quais tem uma ligação. Mantém os diversos idiomas nativos que falam em casa. Executam sua ritualística ancestral. Detém um patrimônio imaterial riquíssimo sob proteção, que muitas vezes não está disponível para os não-índios. E o que produzem é arte.

Como já antecipava Celso Furtado em seu livro Em Busca de Um Novo Modelo: reflexões sobre a crise contemporânea (2002), quando todas as riquezas naturais materiais brasileiras tiverem esgotado e não garantirem mais a riqueza da nação é que olharemos para trás, e notaremos que a maior de todas as riquezas que possuímos um dia já terá sido desperdiçada e aniquilada muito antes. Furtado referia-se ao conhecimento sustentável das populações nativas, ao patrimônio cultural da miscigenação - da formação desta gente brasileira. Riquezas que ainda não aprendemos a valorizar.

Certa vez fiz uma atividade em sala de aula com estudantes de criatividade e inovação nas organizações, e, ao mostrar estas mesmas duas imagens, pedia para que eles inventassem livremente uma história, uma narrativa que ficticiamente pudesse fundamentar a venda da peça de arte indígena brasileira ao máximo valor possível, além de terem que sugerir um valor para leilão.

Os valores indicados variaram de poucos milhares a milhões. As histórias inventadas diziam que a arte havia sido escavada, que era um objeto arqueológico, e muitas vezes que possuía um significado simbólico sagrado. Que possuía poderes especiais. Haveria um mito por trás do objeto. Um mistério, talvez uma história mal contada e resolvida. Isto é que atribuía valor ao artefato. Os estudantes foram criativos e inteligentes. Cumpriram a atividade. Talvez antecipando um cenário futuro. Tomara que não.

Tá explicado?

Argonauta Atalanta

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