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INTERSABER

A Coluna do Intersaber


À convite de Siegrid Guillaumon, uma das argonautas responsáveis por essa plataforma, o Instituto Intersaber tem a satisfação de inaugurar esse espaço de reflexões e divulgação de ideias. Enquanto organização sem-fins lucrativos, nossos esforços miram o enfrentamento da crise contemporânea, tão falada por se tratar de uma crise civilizatória e de ordem planetária, emaranhada nos domínios econômico, político, social, cultural, ecológico e do pensamento. Nosso objetivo com a coluna na plataforma Argonautas é debater as diversas facetas dessa crise que nos aflige, sempre apresentando alguns possíveis caminhos de superação que nos motivam e que nos dedicamos a seguir. Vamos buscar aqui colocar esses debates a partir de uma leitura sistêmica e transdisciplinar da realidade em que vivemos. Num mundo globalizado cada vez mais interdependente, a abordagem sistêmica é fundamental para uma compreensão mais adequada dos problemas e da busca por soluções. Vamos tratar, assim, de questões que tanto dizem respeito ao Brasil como a muitos outros países, mas construindo uma perspectiva que nasça no local, do micro para o macro, do particular ao geral e de baixo para cima. Nossa agenda será composta dos seguintes tópicos:

O Econômico:

A concentração de riquezas mundiais nas mãos de poucas centenas de super ricos atingiu um nível crônico com drásticas consequências para o restante da população, assim como para os recursos naturais, e ela não para de aumentar. Subjacente a esta situação, que alimenta diversas crises sociais, políticas e ambientais, está um padrão econômico de desenvolvimento insustentável pois é incompatível com o bem estar comum e com a saúde do planeta. Por isso precisamos identificar padrões econômicos alternativos mais justos e solidários e que entrem em equilíbrio com os processos ecológicos. A emergente economia colaborativa dos bens comuns se apresenta como uma alternativa na atualidade, mas é necessário conectá-la com os princípios cooperativistas da economia solidária e do comércio justo. A desconcentração das riquezas deve passar por uma descentralização dessa produção, priorizando os desenvolvimentos locais. Isto significa partir dos arranjos produtivos locais organizados em circuitos curtos de produção e consumo, começando pelos bairros e deles para as cidades e depois regiões.

O Político:

A política institucional passa por uma grande crise de legitimidade que ameaça a democracia. Uma disjunção cada vez maior se verifica entre representantes e representados pela desconexão e autonomia do sistema político em relação à cidadania, em que os políticos profissionais, seguindo a lógica do financiamento de campanhas eleitorais, legislam apenas para seus credores e não para o bem comum. Encontra-se aí a raiz da corrupção desenfreada. A questão, todavia, não pode ser combatida com reacionarismos que favoreçam a ascensão de políticos demagogos que se alimentam do sentimento de indignação popular para dar curso a políticas belicosas contra minorias que colapsa os direitos humanos. A indignação cidadã, é importante verificar, também tem manifestado um poder criador e constituinte de novas práticas políticas e projetos sociais que transformam a imaginação em ação. Movimentos sociais emergentes atuam em cooperação e produzem juntos o bem comum, abrindo novos campos de ação nas cidades em defesa dos espaços públicos. O caminho é o de uma democracia real, integralizada na vida cotidiana e não apenas nos espaços institucionais, por meio de modos de vida mais participativos no bem comum, para além da eleição de representantes políticos.

O Social:

O individualismo exacerbado, fruto de uma ordem social hierárquica e competitiva, não produz a autonomia e emancipação do indivíduo, tal como apregoava os projetos da sociedade moderna, mas produz principalmente atomização e solidão. Esse indivíduo desprendido da noção de comunidade e que não se sente partícipe da sociedade a qual pertence se configura mais como um consumidor que como um cidadão, ele despreza a coisa pública e o bem comum. Além disso, a desigualdade social, constituída pelas formas de dominação patrimonial, racial e patriarcal, exclui e nega direitos sociais, sendo responsável pelo aumento da violência, preconceito, intolerância e ódio às diferenças, degradando o que resta dos laços de solidariedade social. Ultrapassar a busca pelo consumo para entregar-se a busca da cidadania requer primeiro uma tomada de consciência do indivíduo atomizado que passa a se enxergar como parte da sociedade e essa consciência pode emergir do compartilhamento de sua condição comum com tantos outros. A superação do individualismo se dá na mobilização do comum que acontece no espaço público, durante ações coletivas, ou em espaços criados por movimentos sociais para suas finalidades. É fundamental, portanto, a criação desses espaços de convívio para intercâmbios, cooperação e sinergia, fortalecendo o sentimento de cidadania enquanto vínculo de pertencimento comunitário e enquanto sujeito de direitos que se vê participante e, portanto, solidário em sua comunidade. O individualismo atomizado dá lugar a uma individualidade conectada.

O Cultural:

Apesar de ser reconhecida como patrimônio da humanidade, a diversidade cultural ainda enfrenta pressões econômicas e políticas que constantemente ameaçam a manutenção dos modos de vida e os saberes de povos indígenas e comunidades tradicionais. Além do processo hegemônico de globalização que exerce uma padronização cultural a partir do ocidente, muita violência ainda se interpõe à coexistência entre culturas. Novas diásporas de exilados e refugiados provocadas por guerras e devastações econômicas em seus países alimentam a xenofobia e o racismo em seus lugares de destino. Fundamentalismos religiosos crescem e promovem a intolerância à diversidade religiosa, desfigurando seus universos culturais próprios. Contudo, a globalização também é um processo de trocas generalizadas pela profusão das comunicações e deslocamentos de pessoas que resulta em mais diversidade pela pluralidade de combinações culturais. Nesse sentido, intercâmbios entre grupos culturais, regiões e países podem fortalecer e valorizar o que tem de específico em cada um e também buscar colaborações e simbioses. A internet desempenha um papel importante nesse sentido pela instantaneidade das comunicações que encurtam as distâncias e aproximam o outro. Nas grandes cidades, a presença de imigrantes dos mais distintos lugares e culturas fazem com que o próprio mundo se instale nas localidades, trazendo consigo interpretações variadas da experiência comum. O reconhecimento da importância de uma multiplicidade de saberes e modos de vida é o caminho para assegurar os modos de vida das populações tradicionais e indígenas e seus saberes integrados à diversidade natural de seus territórios.

O Ecológico:

Na história da Terra, vivemos atualmente no chamado Antropoceno, período em que as transformações no planeta são conduzidas pelas ações do homem e embora seja uma fração de tempo ínfima dessa história, significativas alterações geográficas e climáticas já foram produzidas a ponto de ameaçar a vida como um todo. Nossos padrões de produção e consumo seguem degradando os ecossistemas em ritmo acelerado ao mesmo tempo em que persiste uma noção de progresso medida por padrões quantitativos de crescimento econômico que não podem se projetar a longo prazo. A reconciliação entre a sociedade e a natureza depende de uma reviravolta no conceito de desenvolvimento. É preciso pensar numa economia dos bens comuns tendo em vista a comunidade da vida planetária e não apenas a comunidade humana, pois os recursos naturais, como florestas, rios e oceanos são comuns a todos os seres vivos. O conceito de Bem Viver, proveniente de povos originários da América Latina, andinos e amazônicos, diz respeito aos direitos da natureza e, juntamente com a noção de Comum, consegue conjugar os princípios de solidariedade e reciprocidade na sociedade e entre a sociedade e a natureza. Uma mudança de padrões como a que é necessária também implica em modos de vida simples que reduzam drasticamente as necessidades de consumo, assim como uma ampliação das tecnologias sociais e ecologicamente responsáveis que aumentem progressivamente atividades de auto abastecimento individuais e coletivas.

O Pensamento:

Sendo as transformações que operam na atualidade também de ordem cognitiva, devido a ampla disseminação das tecnologias de informação e comunicação digitais, pode-se dizer que a crise de nosso tempo é também uma crise cognitiva. Há uma contradição entre o pensamento hiper especializado da sociedade industrial que separa e compartimenta o conhecimento em funções e disciplinas fechadas e o contexto da globalização que requer conhecimentos transversais para interpretar e compreender o mundo. A fragmentação do conhecimento tal como ainda insiste a educação institucional descapacita as pessoas para lidar com os problemas contemporâneos e encontrar soluções. Além disso, há o excesso de informações que cotidianamente nos inunda, transmitidas pelo sistema da mídia, sobretudo pela internet e as redes sociais. Informações fragmentadas, descontínuas e superficiais que provocam um efeito desorientador. Em contraponto a esta situação está o pensamento sistêmico que é capaz de enxergar os problemas e as causas atuantes como conjuntos e interdependências. Faz-se necessário valorizar e investir em pedagogias que promovam a religação dos saberes para uma visão do todo, que ensinem a se orientar no caos de informações, distinguir e filtrar aquilo que é verídico daquilo que é falso, aquilo que é relevante daquilo que não é, e, sobretudo, articular informações para transformá-las em conhecimento.

O Instituto Intersaber está sediado em São Paulo. Mais informações através do site www.intersaber.org

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